28 Março 2019
Depois de uma série de escândalos relacionados à sexualidade, os fiéis da Igreja desconfiam de uma hierarquia que consideram cada vez mais distante da realidade.
Publicamos aqui o editorial do jornal Le Monde, 26-03-2019. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Eis o texto.
O que é demais é demais. Os católicos da França não ocupam as sacristias das suas igrejas, mas a raiva ferve nas comunidades. Um acúmulo de escândalos ligados à sexualidade fez com que o copo transbordasse.
Os escândalos de pedofilia provocaram uma explosão em toda a Igreja, com a expulsão de um ex-cardeal estadunidense e a condenação a seis anos de prisão do número 3 australiano do Vaticano, ambos acusados de agressão sexual de menores.
A decisão do Papa Francisco, no dia 19 de março, de rejeitar a renúncia do cardeal Barbarin, condenado no dia 7 de março a seis meses de prisão sob liberdade condicional por não ter denunciado os atos pedófilos cometidos por um padre da sua diocese, lançou a imagem calamitosa de uma instituição que busca, acima de tudo, se proteger, longe da “tolerância zero” manifestada.
São todos fatos ocorridos no momento em que o núncio apostólico na França – o representante do papa – era acusado de assédio sexual e, algo ainda mais grave, no momento em que um documentário transmitido pelo canal Arte revelava a extensão das violações contra religiosas por parte de padres, em que algumas freiras, depois, haviam sido forçadas a abortar.
Nem debate, nem diálogo
Da prostração à repugnância, passando pela vergonha, a humilhação, o estupor, os católicos franceses já não se encontram mais na sua Igreja e desconfiam de uma hierarquia que eles consideram cada vez mais autista.
Entre os testemunhos de católicos praticantes que o Le Monde coletou, que expressam a tristeza, a revolta ou o sentimento de terem sido traídos, um fiel que participou da “Manif pour tous” contra o casamento homossexual não consegue entender como um padre que havia sido o seu acompanhador espiritual foi preso por assédio sexual: “Os bispos estão perdidos, os padres estão perdidos, os leigos estão perdidos, e não nos encontramos”.
Esses males afetam uma Igreja da França já muito doente. Se 53% dos franceses se declaram católicos, segundo as estatísticas mais recentes, a prática religiosa está em constante declínio, com apenas 4,5% dos fiéis que vão à missa pelo menos uma vez por mês, e apenas 1, 8% dos fiéis que vão todos os domingos.
O número de padres católicos, segundo dados oficiais, passou de 28.694 em 1995 para 21.187 em 2005. A maioria desses padres tem mais de 65 anos. As ordenações estão em queda livre: oficiosamente, foram contabilizadas 114 em 2018, contra 133 em 2017. Mas chegavam a 300 por ano nos anos 1970.
Um em cada cinco dos novos padres proviria de uma comunidade tradicionalista.
Com a crise atual, pode-se temer que os católicos mais progressistas, próximos do Concílio Vaticano II, serão os primeiros a se afastar da Igreja.
Para muitos católicos, é todo o sistema eclesial que precisa mudar a fim de criar uma cultura do debate e dar mais espaço aos leigos, e especialmente às mulheres, de modo que se engajem mais, em todos os níveis onde as decisões são tomadas.
A crise também fez ressurgir a questão do celibato dos padres. Foi no século XI que a reforma do Papa Gregório VII decidiu que a Igreja não ordenaria mais homens casados. O arcebispo de Poitiers, Dom Pascal Wintzer, expressou-se recentemente a favor de reavaliar essa regra. O debate não poderá ser eternamente evitado.
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Católicos da França: do estupor à raiva. Editorial do jornal Le Monde - Instituto Humanitas Unisinos - IHU